Gerar energia eólica em casa,
injetar na rede pública e até ganhar créditos na conta de luz já é possível.
Conheça os detalhes e o custo dos aerogeradores domésticos
Até o ano passado, uma
família brasileira tinha apenas duas motivações para produzir energia com a
força do vento: a falta de abastecimento público (ou as falhas crônicas no
serviço) e o desejo de trilhar caminhos mais sustentáveis. Desde abril, porém,
uma mudança na legislação – a Resolução nº 482 da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) – dá um incentivo a mais ao permitir a micro e a minigeração
distribuída. Traduzindo: dá sinal verde para que sistemas alternativos de
geração de energia limpa injetem sua produção na rede da distribuidora local.
Com isso, além de suprir parte da demanda da casa e pagar menos pela conta
mensal, o cliente ganha créditos para descontar nas próximas faturas toda vez
que a geração de energia for maior do que o consumo. “É um primeiro passo
importantíssimo”, diz Elbia Melo, presidente da Associação Brasileira de
Energia Eólica (Abeeólica).
Marcelo Garcia
Como funciona
Para ter acesso à
microgeração distribuída, é preciso apresentar um projeto à distribuidora. Se
aprovado, o cliente arcará com os custos de todos os equipamentos e do novo
medidor, que registrará a entrada e a saída de energia. Veja, abaixo, os
componentes do sistema:
1. Pás: sistemas
eólicos funcionam apenas em locais com ventos fortes e constantes, capazes de
tirar as pás da inércia e mantê-las em movimento. O design do aerogerador
influencia seu desempenho. Alguns modelos contam com um dispositivo especial
que posiciona as pás na direção do vento.
2. Rotor: é a
parte da turbina que gira em torno de seu próprio eixo, convertendo a energia
cinética do vento na energia mecânica que, em seguida, movimenta um gerador
elétrico.
3. Baterias: em
sistemas desconectados da rede pública (off grid), é necessário contar com um
banco de baterias para armazenar a energia gerada. Já na microgeração
distribuída (grid tie), como a energia produzida é injetada na rede pública, as
baterias viram uma opção para oferecer alguma autonomia contra apagões.
4. Rede pública: para
garantir a proteção, a segurança e a operação do sistema de distribuição, a
concessionária estabelece padrões técnicos a serem cumpridos pelo cliente
interessado no grid tie – que também pode combinar energia eólica com solar,
por exemplo, para compensar períodos de menor incidência de ventos.
5. Consumo: a
energia gerada é contabilizada (em kWh) no medidor. A fatura representará a
diferença entre a geração e o consumo familiar. Saldos positivos viram créditos
que podem ser usados por 36 meses (inclusive em outros endereços, desde que
sejam do mesmo titular e na mesma área de concessão).
Divulgação | Energia Pura
O modelo
Skystream, instalado pela Energia Pura na casa do aposentado Ari Lund, em
Garopaba, SC, abastece os aparelhos domésticos que estiverem ligados. Um banco
de 12 baterias, com autonomia de 12 horas, garante a eletricidade nos momentos
sem vento. Para girar as pás e gerar energia, é necessário um vento de partida
de 3,5 m/s. A média local é de 6 m/s, o que possibilita a produção de 400
kWh/mês. Segundo o morador, o sistema supre 30% da demanda energética da casa
de 700 m²(que conta com um elevador). A torre estaiada foi a opção para a base
do aerogerador, que deve ser concebida de acordo com o tamanho da turbina, a
força do vento e as condições locais.
Sob medida para um casal
Diversos estudos comprovam o
enorme potencial do Brasil para explorar a energia do vento, especialmente na
faixa litorânea e no Sul do país. Fazer o setor crescer e disseminar o acesso
aos equipamentos, no entanto, requer um conjunto de incentivos. “O governo é o
principal agente, porque pode criar benefícios fiscais e ainda se tornar o
melhor cliente, instalando sistemas eólicos em prédios públicos, por exemplo”,
afirma Luiz Henrique Ferreira, diretor da Inovatech Engenharia, consultoria em
projetos sustentáveis. “Nos Estados Unidos, quando o governo ofereceu 30% de
desconto no imposto de renda para quem investisse em energia eólica, houve um crescimento
de 78% em um ano”, lembra Luiz Cesar Pereira, diretor da Enersud, fabricante
nacional de aerogeradores. Aqui, a novidade quanto à micro e à minigeração
distribuída segue a mesma tendência. “Ainda não é como na Europa, onde se ganha
dinheiro vendendo energia limpa. Por enquanto, trata-se de uma maneira de
economizar na conta e impulsionar o segmento”, diz Elbia Melo.
Arquivo Pessoal
Na prática, a mudança
favorece quem consome mais energia, como prédios comerciais, condomínios
residenciais e indústrias, que têm a chance de obter o retorno do investimento
em prazos mais razoáveis. Mas há quem enxergue além, como o aposentado Ari
Lund, dono da casa ao lado, no litoral catarinense. “Os ventos em Garopaba são
abundantes e temos que aproveitar essa energia limpa. É preciso baratear os
custos, incentivando outras pessoas a apostar nisso”, defende. Ele desembolsou
R$ 50 mil na instalação de um sistema eólico doméstico, poucos meses antes de a
rede de distribuição passar a atender sua região. “Apesar do preço alto, fiquei
satisfeito com o resultado porque consegui suprir boa parte do abastecimento de
energia”, completa ele, que agora prepara projeto para se conectar à rede
pública. Situação semelhante viveu Edison Eduardo Weissinger, aposentado,
morador de Itaipuaçu, RJ. “Aqui o fornecimento não era confiável, faltava luz
com frequência, e resolvi gastar R$ 4 mil na compra de um pequeno sistema com
aerogerador, torre, baterias e outros equipamentos”, justifica. “Hoje tenho
autonomia e pago menos pela conta sem agredir o meio ambiente.”
Divulgação
O residencial
Ecovila Resort, no litoral paulista, usa dois aerogeradores para iluminação
das áreas comuns e o sistema de segurança, reduzindo 30% das despesas com o
condomínio.
Incentivos à energia eólica
vêm também de grandes bancos: a Caixa Econômica Federal incluiu recentemente os
aerogeradores na lista de produtos que podem ser adquiridos pelo Construcard,
linha de financiamento para materiais de construção (com até 96 meses para
pagar, com taxas de juros de 0,90% a 1,85% ao mês). No Banco do Brasil, o BB
Consórcio lançou em janeiro planos especiais para a compra de sistemas de
energia renovável e a contratação de serviços técnicos por prestadores
especializados. Os selos de construção sustentável têm sua parcela de
contribuição. O AQUA, coordenado pela Fundação Vanzolini, obriga os
empreendimentos candidatos à certificação a elaborar um estudo de viabilidade
de energias alternativas. “É uma maneira de estimular a adoção de sistemas
eólicos e fotovoltaicos, principalmente”, afirma Felipe Coelho, assistente
técnico da entidade. Nesse cenário favorável, os primeiros condomínios
residenciais já começam a aderir à causa. Em Praia Grande, SP, a força do vento
fez o diretor da construtora Concreplan, Eliude Rodrigues de Souza, investir R$
70 mil para incorporar duas turbinas eólicas no Ecovila Resort, um residencial
de 56 casas com várias soluções sustentáveis, que contou com consultoria
especializada da empresa Energia Pura.
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